terça-feira, 17 de junho de 2025

Crônica – “Cálice: um brinde amargo ao silêncio”




Na mesa de um país que já serviu banquetes de esperança, hoje se ergue um cálice amargo, cheio até a borda de silêncio coagulado. A voz pede, em súplica: “Pai, afasta de mim esse cálice”, mas não há pai que ouça — ou se ouve, finge não entender a língua do sangue. O vinho tinto que escorre pelas letras de Chico e Gil não embriaga: envenena. Não é uva, é luto. Não é ritual, é resistência.

O silêncio, esse tirano sem rosto, ainda ronda as esquinas. Tão moderno quanto ontem. Tão perigoso quanto sempre. E o grito, engasgado na garganta do poeta, ecoa em quem ainda ousa sentir. Não é apenas uma canção: é uma confissão pública de cansaço e coragem. Cada verso é um tiro contra a mordaça. Cada rima, uma ferida aberta no peito da História.

É difícil acordar calado quando o pesadelo não termina ao abrir os olhos. E o monstro, sim, ele ainda rasteja por aí — agora com roupa nova e discurso ensaiado. Mas há quem, mesmo atordoado, permaneça atento. E resista. Porque há dias em que cantar é a única maneira de não se calar. E cálice também pode ser escrito assim: cale-se. Mas o Brasil, mesmo sufocado, ainda prefere dizer: cante-se.

 

 


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