Na
mesa de um país que já serviu banquetes de esperança, hoje se ergue um cálice
amargo, cheio até a borda de silêncio coagulado. A voz pede, em súplica: “Pai,
afasta de mim esse cálice”, mas não há pai que ouça — ou se ouve, finge não
entender a língua do sangue. O vinho tinto que escorre pelas letras de Chico e
Gil não embriaga: envenena. Não é uva, é luto. Não é ritual, é resistência.
O
silêncio, esse tirano sem rosto, ainda ronda as esquinas. Tão moderno quanto
ontem. Tão perigoso quanto sempre. E o grito, engasgado na garganta do poeta,
ecoa em quem ainda ousa sentir. Não é apenas uma canção: é uma confissão
pública de cansaço e coragem. Cada verso é um tiro contra a mordaça. Cada rima,
uma ferida aberta no peito da História.
É
difícil acordar calado quando o pesadelo não termina ao abrir os olhos. E o
monstro, sim, ele ainda rasteja por aí — agora com roupa nova e discurso
ensaiado. Mas há quem, mesmo atordoado, permaneça atento. E resista. Porque há
dias em que cantar é a única maneira de não se calar. E cálice também pode ser
escrito assim: cale-se. Mas o Brasil, mesmo sufocado, ainda prefere dizer:
cante-se.
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