sexta-feira, 17 de outubro de 2025

A Pietà do Lixo - Dona Domingas


Dona Domingas Felippe foi a terceira de cinco filhos de Frederico Felippe e Maria Helena Felippe. Nasceu em 23 de março de 1884, no Rio de Janeiro. Ainda menina, aos quatro anos, presenciou, no Campo de São Cristóvão, a Missa Campal de Ação de Graças pela Abolição da Escravatura, realizada em 17 de maio de 1888, com a ilustre presença da princesa Isabel.

Em 1889, a família mudou-se para a Bahia, onde nasceu a filha Brasília Felippe (1889 – 1958).
Em 1901, vieram para Vitória, no Espírito Santo, e foram morar no bairro de Santo Antônio, na antiga Rua Alzira Viana Morro, atual Rua Conselheiro Mafra, nº 89. Ali, Domingas cresceu e trabalhou como arrumadeira nas casas dos vizinhos.
Em 1927, aos 43 anos, casou-se com Mário Manoel Sacramento, com quem teve um filho, José Paulo Bomfim (1927 – 1988). Nesse mesmo ano, ela e sua irmã Olira (1905 – 1988) trabalharam como catadeiras de café em grãos na firma alemã Tordovilli. Posteriormente, fez bicos em lojas da cidade, como faxineira.
Já próxima dos cinquenta anos, deixou tudo e passou a ganhar o sustento catando e vendendo papelão pelo centro da cidade. Tornou-se conhecida como a primeira pessoa a se preocupar com a reciclagem em Vitória.
Vestida com uma túnica de algodão preta, um cajado na mão direita, um saco nas costas e os cabelos presos em coques Bantu Knots, símbolo da cultura afro, e descalça, andava pelo antigo Largo Padre Inácio, Largo da Matriz, e percorria a avenida Jerônimo Monteiro, até o Banco de Crédito Agrícola do Espírito Santo, onde deixava o papelão no anexo do laboratório do Dr. José Monteiro, que ficava no Edifício Sarkis, para ser vendido.
Sua figura simples, porém marcante, chamou a atenção do escritor e escultor italiano Carlo Crepaz, com quem estabeleceu uma sincera amizade. Em 1959, Crepaz criou a primeira estátua em madeira de Dona Domingas, hoje preservada no Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro, com o título “O Anoitecer”. Outras duas réplicas foram produzidas: uma delas, em bronze, permaneceu com um morador do interior do Espírito Santo, e a outra, em madeira, foi levada pelo escultor para Ortisei, na Itália.
Dona Domingas faleceu em 1º de junho de 1966, aos 82 anos, e foi sepultada no Cemitério de Santo Antônio. Alguns anos depois, em 1973, o então prefeito Crisóstomo Teixeira adquiriu uma das estátuas de bronze e a instalou ao lado da Escadaria Bárbara Lindemberg, em homenagem ao trabalhador capixaba.
Com o passar do tempo, sem identificação visível, a escultura chegou a ser confundida com Padre Anchieta ou São Benedito. No entanto, graças ao trabalho do biógrafo e escritor capixaba Estêvão Zizzi, sua verdadeira história veio à tona. Ele registrou depoimentos de familiares, amigos e comerciantes que conviveram com Dona Domingas, revelando que ela nunca foi mendiga, como muitos acreditavam.
Seu ofício era catar papelão e materiais recicláveis — atividade com a qual sustentava a própria vida com dignidade e determinação. O biógrafo destaca ainda que Dona Domingas é a única pessoa pobre do mundo representada por uma estátua diante de um palácio, o que confere à obra um profundo valor simbólico e social.
Em 1986, a Escola de Samba Pega no Samba levou à avenida o enredo “Tipos Populares de Vitória”, cujo carro de frente trazia a estátua de Dona Domingas.
Em 2012, por ocasião do centenário do Parque Moscoso, um grupo de atores percorreu o parque representando figuras populares da antiga Vitória, e uma atriz vestiu-se de Dona Domingas, revisitando a memória da cidade-presépio.
Em 2013, o Centro Cultural Guananira realizou nova apresentação em homenagem aos “Tipos Populares de Vitória”, com outra atriz representando a personagem.
Desde então, embora poucas homenagens tenham sido feitas, seu legado permanece vivo, como exemplo de coragem, humildade e resistência.
Quem desejar conhecer mais sobre essa mulher admirável deve procurar sua biografia intitulada “A Pietà do Lixo – Dona Domingas”, de autoria do escritor Estêvão Zizzi.
Dona Domingas Felippe — a mulher que transformou o lixo em dignidade — jamais será esquecida.

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