Mas quem foram
essas pessoas e qual é o seu valor histórico para o Espírito Santo, que jamais
receberam qualquer homenagem como verdadeiros heróis e que viraram poeira na
tão famosa ladeira do Pelourinho, que leva o nome de Maria Ortiz?
A imensa maioria
deles viveu, trabalhou e ergueu a cidade de Vitória, sustentando a vida
colonial. Ergueram as paredes da primeira Igreja de Nossa Senhora da Vitória,
subiram e desceram a Ladeira do Pelourinho carregando pedras e tijolos,
plantaram o alimento que sustentava os soldados e cuidaram das crianças dos
senhores, enquanto os próprios filhos eram vendidos.
Hoje, podemos
afirmar com toda certeza que cada rua antiga de Vitória é, de certo modo, um
túmulo invisível desses trabalhadores esquecidos.
O mais irônico é
que os restos mortais da maioria dessas pessoas são, dia após dia, pisoteados
pelos transeuntes no chão da Ladeira do Pelourinho — onde tantos foram punidos
—, e onde não há sequer uma plaquinha em memória de suas vidas.
Por outro lado,
há ali uma placa em homenagem à “heroína capixaba Maria Ortiz” e, mais
recentemente, foi criado, no Centro, o mural “Marias do Centro”, em tributo a
cinco Marias. Podemos, porém, afirmar que, de fato, quatro delas existiram. Mas
a Maria das Marias, chamada Maria Ortiz, existiu?
Com todo o nosso
respeito a escritores, historiadores, barões e afins, o nome de Maria Ortiz só
surgiu quando o Jornal Correio de Vitória, em 1861 — leia-se: nunca mencionado
antes desde a suposta proeza de 1625, quando teria afastado a invasão holandesa
com um tacho de água fervente —, chamou a atenção das autoridades ao perguntar
o nome da mulher do tacho.
Posteriormente a
esse fato, surgiu, do nada, João Bernardes de Sousa, o Barão do Guandu, que
trouxe à baila o nome de Maria Ortiz e sua suposta ascendência, mas alegou não
possuir mais o documento. Disse tê-lo entregue ao Arquivo Nacional à época. Em
pesquisa que fizemos junto ao arquivo, não encontramos qualquer registro — nem
digitalizado, muito menos físico.
Enfim, podemos
afirmar que não há nenhuma fonte primária que ateste esses dados. E, quanto às
fontes secundárias, não passam de crônicas.
Além do exposto,
consultamos a caderneta de Dom Pedro II, na qual ele registrava com detalhes
tudo sobre suas viagens. A título de exemplo, quando esteve na Bahia, citou
Maria Quitéria de Jesus, a heroína que lutou pela independência do estado.
Já quando veio,
em 1860, ao Espírito Santo, não há uma linha sobre o nome ou o feito de Maria
Ortiz. Por quê? A resposta é simples: nem a memória do povo guardava essa
proeza, e muito menos as autoridades — se soubessem de seu nome — certamente
teriam mencionado ao Imperador.
Conclusão:
Quando repetimos o que nunca aconteceu, damos vida à mentira sob o nome de
memória.
Enfim,
legitimamente deveriam corrigir esse erro histórico e colocar uma placa em
homenagem a Francisca Preta, João Mina, Manuel Angola, Catarina Crioula,
Antônio Benguela, José Crioulo, Mariana Preta e outros que ali viveram. Ou,
ainda, criar um mural com suas certidões de batismo, como forma legítima de dar
os louros a quem realmente merece.



