segunda-feira, 16 de junho de 2025

Como escrever bem: conselhos de alguns mortos ilustres





Por um vivo ainda tentando escrever direito

 Vivemos num mundo saturado de escritores — ou pelo menos de gente digitando furiosamente em cafés, com a testa franzida, fingindo que cria uma obra-prima. Alguns, generosos ou incautos, me pedem opinião. Leio o texto, penso em Flaubert e seu desespero por uma palavra exata. Penso também em fugir para o mato. Mas não fujo. Dou conselhos. E, como não quero parecer um oráculo, deixo que os clássicos falem por mim. Eles erraram antes de nós — e escreveram coisas boas mesmo assim.

Então aqui vão alguns conselhos de grandes escritores do passado, com comentários meus entre uma linha e outra. Pegue um café (sem wi-fi) e siga comigo.

1. “Não há livro tão ruim que não tenha algo de bom.” — Cervantes

Sim, até aquele seu conto confuso pode conter uma frase salvável. Cervantes, o pai de Dom Quixote, sabia que até nos devaneios há beleza. O segredo é saber o que merece ficar — e o que precisa sair com um empurrão delicado. Nem todo moinho é gigante, nem todo parágrafo é literatura.

2. “Se você pode contar uma história sem dizer que alguém está triste, faça isso.” — Tchekhov

Tchekhov era o mestre do subentendido. Ele confiava no leitor. Não dizia “ele estava triste”, mas fazia chover, deixava o cigarro apagar entre os dedos do personagem. Mostre, não diga. Respeite a inteligência de quem lê — e economize adjetivos.

3. “Seja regular e ordeiro na sua vida, para que você possa ser violento e original na sua obra.” — Flaubert

Gustave Flaubert, o chato genial, passava dias escolhendo uma palavra. Reescrevia obsessivamente. E dizia que, para escrever com fogo, era preciso viver com disciplina. Nada de esperar a inspiração como se fosse uma pomba divina: sente-se, escreva e revise. E de novo. E mais uma vez.

4. “Não há barreira, fechadura ou ferrolho que você possa impor à liberdade da minha mente.” — Virginia Woolf

Escrever é, antes de tudo, ousar. É abrir a cabeça como se fosse uma janela numa noite sufocante. Woolf nos ensina que a literatura verdadeira não nasce do que é permitido — mas do que é necessário. Escreva o que precisa ser dito, mesmo que ninguém peça. Especialmente se ninguém pedir.

5. “A primeira versão de tudo é uma porcaria.” — Hemingway

Honesto como sempre, Hemingway nos lembra de que não existe milagre: só trabalho. A primeira versão é um esboço, um grunhido literário. O que vem depois — com corte, suor e um pouco de vinho — é que talvez se aproxime de um texto decente. Mas primeiro… escreva. Depois, escreva melhor.

6. “A poesia é o eco da melodia do universo no coração dos humanos.” — Tagore

Quer escrever bonito? Ouça a música das palavras. Não precisa rimar, mas precisa soar. Um bom texto tem ritmo, como uma respiração calma ou um trote de cavalo leve. E tem silêncio também. Pontuação é partitura. Leia em voz alta: se parecer tosco, provavelmente é.

7. “A vida é curta demais para ler livros ruins.” — Schopenhauer (ou quase ele)

Se o velho Schopenhauer tivesse um e-reader, teria deletado metade da biblioteca com raiva. E talvez tenha razão. Então, escreva como se alguém estivesse prestes a abandonar seu livro na página 12. Conquiste rápido. Prenda. Não abuse da paciência alheia — a fila de leitura é longa, e o tempo curto.

Em resumo:

Escrever bem não tem fórmula, mas tem pegada. E tem humildade. Os grandes sabiam disso. Sofriam, revisavam, duvidavam — e ainda assim deixaram páginas que atravessaram séculos. Ouça-os. E ouça você mesmo. Se o texto soar falso, talvez esteja. Se estiver verdadeiro, siga. Se não sabe, reescreva.

Mas, antes de tudo, ouse começar. Porque, como dizia Horácio — aquele outro, o romano, não o dinossauro:

“Sapere aude.”

Ouse saber. 

 

 


3 comentários:

  1. Ouvir, ouvir! Ai sim, depois escrever. Excelente artigo!

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  2. Sensacional. Um artigo que nos dá um Norte! Parabéns!

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