Vivemos num mundo saturado de escritores — ou pelo menos de gente digitando furiosamente em cafés, com a testa franzida, fingindo que cria uma obra-prima. Alguns, generosos ou incautos, me pedem opinião. Leio o texto, penso em Flaubert e seu desespero por uma palavra exata. Penso também em fugir para o mato. Mas não fujo. Dou conselhos. E, como não quero parecer um oráculo, deixo que os clássicos falem por mim. Eles erraram antes de nós — e escreveram coisas boas mesmo assim.
Então
aqui vão alguns conselhos de grandes escritores do passado, com comentários
meus entre uma linha e outra. Pegue um café (sem wi-fi) e siga comigo.
1.
“Não há livro tão ruim que não tenha algo de bom.” — Cervantes
Sim,
até aquele seu conto confuso pode conter uma frase salvável. Cervantes, o pai
de Dom Quixote, sabia que até nos devaneios há beleza. O segredo é saber o que
merece ficar — e o que precisa sair com um empurrão delicado. Nem todo moinho é
gigante, nem todo parágrafo é literatura.
2.
“Se você pode contar uma história sem dizer que alguém está triste, faça isso.”
— Tchekhov
Tchekhov
era o mestre do subentendido. Ele confiava no leitor. Não dizia “ele estava
triste”, mas fazia chover, deixava o cigarro apagar entre os dedos do
personagem. Mostre, não diga. Respeite a inteligência de quem lê — e economize
adjetivos.
3.
“Seja regular e ordeiro na sua vida, para que você possa ser violento e
original na sua obra.” — Flaubert
Gustave
Flaubert, o chato genial, passava dias escolhendo uma palavra. Reescrevia
obsessivamente. E dizia que, para escrever com fogo, era preciso viver com
disciplina. Nada de esperar a inspiração como se fosse uma pomba divina:
sente-se, escreva e revise. E de novo. E mais uma vez.
4.
“Não há barreira, fechadura ou ferrolho que você possa impor à liberdade da
minha mente.” — Virginia Woolf
Escrever
é, antes de tudo, ousar. É abrir a cabeça como se fosse uma janela numa noite
sufocante. Woolf nos ensina que a literatura verdadeira não nasce do que é
permitido — mas do que é necessário. Escreva o que precisa ser dito, mesmo que
ninguém peça. Especialmente se ninguém pedir.
5.
“A primeira versão de tudo é uma porcaria.” — Hemingway
Honesto
como sempre, Hemingway nos lembra de que não existe milagre: só trabalho. A
primeira versão é um esboço, um grunhido literário. O que vem depois — com
corte, suor e um pouco de vinho — é que talvez se aproxime de um texto decente.
Mas primeiro… escreva. Depois, escreva melhor.
6.
“A poesia é o eco da melodia do universo no coração dos humanos.” — Tagore
Quer
escrever bonito? Ouça a música das palavras. Não precisa rimar, mas precisa
soar. Um bom texto tem ritmo, como uma respiração calma ou um trote de cavalo
leve. E tem silêncio também. Pontuação é partitura. Leia em voz alta: se
parecer tosco, provavelmente é.
7.
“A vida é curta demais para ler livros ruins.” — Schopenhauer (ou quase ele)
Se
o velho Schopenhauer tivesse um e-reader, teria deletado metade da biblioteca
com raiva. E talvez tenha razão. Então, escreva como se alguém estivesse
prestes a abandonar seu livro na página 12. Conquiste rápido. Prenda. Não abuse
da paciência alheia — a fila de leitura é longa, e o tempo curto.
Em
resumo:
Escrever
bem não tem fórmula, mas tem pegada. E tem humildade. Os grandes sabiam disso.
Sofriam, revisavam, duvidavam — e ainda assim deixaram páginas que atravessaram
séculos. Ouça-os. E ouça você mesmo. Se o texto soar falso, talvez esteja. Se
estiver verdadeiro, siga. Se não sabe, reescreva.
Mas,
antes de tudo, ouse começar. Porque, como dizia Horácio — aquele outro, o
romano, não o dinossauro:
“Sapere
aude.”
Ouse
saber.
Adorei a matéira.
ResponderExcluirOuvir, ouvir! Ai sim, depois escrever. Excelente artigo!
ResponderExcluirSensacional. Um artigo que nos dá um Norte! Parabéns!
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